segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Decisão

Humm momento de dúvida,
as sinapses conturbadas
buscam um neurônio para articular
a racionalidade do ser.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Déjà vu

Despertara? Não sabia. Suava muito, isso sim. Buscou o copo d’água na cabeceira, ainda tonto de tudo aquilo que vira e sofrera e sonhara. Sonhara? Cambaleante, entrou no banheiro, olhou-se no espelho e não acreditou. Estava sujo de uma cor não sei o quê cinza nas mãos e rosto, seus braços lhe doíam pesados estirados músculos cansados. Outra vez outra vez, pensou. Voltou à cama, aquele monstro horrível de desespero e cansaço, de insônia e sono, de sexo e solidão. Dormiu novamente. Sonhou estar num plano branco, infinito na horizontal e na vertical, iluminado por um grande refletor que lhe ofuscava a visão toda vez que o olhava diretamente. De súbito, um trilhão de flashs pipocaram, deixando mais cego ainda, tentou correr sem enxergar e sentiu que caia. Agora estava numa planície de gramíneas curtas, de veludo acinzentado, um tom triste assim como o eterno cantar de um Bem-te-vi cego. Olhou ao seu redor, ao leste uma montanha alta se erguia imponente; ao sul a planície continuava para sempre. Ao norte notou uma pequena cabana e, correndo por sobre o veludo cinza e triste, chegou lá e bateu na porta. Ansioso, abre a porta e tudo estava escuro e gelado e mesmo assim ele entrou e aí a porta se fechou e tateando não conseguiu mais achar a saída e agora ele estava ali cantarolando no escuro para afugentar o medo. Começou a sufocar dentro daquela coisa escura, aquele buraco negro no tempo e espaço quando sentiu uma leve brisa fria subir-lhe pela espinha virou-se e nada e quando deu dois passos perdeu o equilíbrio e lá estava ele a cair novamente caindo caindo caindo até que de tanto cair dormiu, porque cair era muito gostoso o frio na barriga passara depois de um certo ponto e a sensação era legal. Despertara? Não sabia. Suava muito, isso sim. Buscou o copo d’água na cabeceira, ainda tonto de tudo aquilo que vira e sofrera e sonhara. Sonhara? Cambaleante, entrou no banheiro, olhou-se no espelho e não acreditou. Estava sujo de uma cor não sei o quê cinza nas mãos e rosto, seus braços lhe doíam pesados estirados músculos cansados. Outra vez outra vez, pensou. Voltou à cama, aquele monstro horrível de desespero e cansaço, de insônia e sono, de sexo e solidão. Dormiu novamente.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Aos miseráveis membros do Clube do Vinho

Taninos selvagens estalam em minha torpe boca, revelando a composição do vinho. Aguça o paladar, diz o velho. Não entende nada esse presunçoso. Aveludado na ponta, revela-se tímido ao fundo da língua. Baixa acidez, diz o velho. Acidez? Indago-lhe. Para mim isso mais parece vinho de mesa. Cala-te, neófito, tens muito a aprender. Tome a água, limpe sua sensibilidade. Agora tome este, que é mais rascante. Sorvo o líquido rubro, escarlate. Parece sangue, diz o jovem. E o que você entende disto? Diga-me, o que pensas sobre este? Diria que é recente, potente como um touro, no entanto desce como suco. Bom, diz o velho. Estás a aprender. Para enfezá-lo, digo que a safra é de 2003 e que se trata de um Rioja Crianza, dois anos no barril de carvalho. Ora esta, esbraveja o velho, estás me saindo um bom velhaco. Não preciso ler enciclopédias para isto velho, nasci com o dom. Muito bem, agora mais este. Já impaciente, afugento a água e sirvo-me da próxima iguaria. E agora, o que me diz? Este vinho, digo, lembra-me minha jovem amante. É mesmo? E a razão disto? É macio ao primeiro contato, mas cobra atenção ao descer, mostrando-se ácido, deixa-me zonzo, lacrimeja-me os olhos. Entendo, diz o velho lascivo. Diga-me, então acreditas que um vinho possa ser comparado a uma mulher? Claro que sim, aliás, é a minha escolha na falta delas. Podem ser combinados com certos elementos, no entanto esta escolha é extremamente difícil. Os que valem a pena são caros, por certo. Embriagam-nos facilmente e, no dia seguinte, demandam parcimônia, na forma de atenção. Não entendo, diz o velho. Não me diga que não tem ressaca? Ah, excita-se o velho. Além disto, cada espécime é diferente, variando no tipo de uva, terroir, safra e clima, produtor...Da mesma forma como cada mulher é uma história, suas curvas, suas cicatrizes, seus desejos, suas taras. Entretanto, pondera o velho, o vinho torna-se melhor com a passagem do tempo, enquanto que as mulheres murcham e se alquebram. Aí é que se engana, tolo senil. As mulheres experientes podem ensinar muito a um jovem como eu, além de já estarem calejadas e não requisitarem muito em troca, além do sexo, é claro. As jovens, por sua vez, demandam atenção, seja em forma de dinheiro, carinho, o que seja, como o faz um vinho de baixa estirpe, que custa em ser aceito pelo paladar aguçado. O velho, já febril, emborca a taça de vinho e escuta atentamente. Penso, cá com meus botões, o que é mais patético do que um velho que, tal como um vinho, não amadureceu, vivenciou situações, chorou amores e agradou mulheres?