sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

O quarto

E ela vivia em seu quarto.

Namoro em casa e todas aquelas formalidades. Conheçeu apenas uma pessoa e já se casou. Assim eram os tempos pretéritos. Estudou apenas o primário. Teve quatro filhos, dois homens e duas mulheres. Seu marido prosperou e tornou-se cidadão-modelo: juiz de direito. E aí começaram as ligações e cartas anônimas, que já revelavam o distanciamento. Chorou. Chorou. A situação chegou ao ponto do insuportável. Desquitou-se. Sua filha fez o divórcio. Chorou. Chorou. Seu grande amor, seu único amor, a única pessoa que ela havia se entregado, a única pessoa que ela havia cogitado, essa pessoa a traiu. O processo não foi tranquilo. Rancor, ódio, amor, fúria, transtorno: tudo se misturava em sua cabeça. No entanto, ela tinha os netos. Corriam, brincavam, banhavam-se. Sua piscina sempre estava cheia: o germe da ruptura ainda não havia atingido seus filhos. Não tardou. Os filhos brigaram a respeito do pai. A respeito do dinheiro. Os netos cresceram. Não tomavam mais banho de piscina e nem comiam palha italiana. As goteiras persistiam em cair. Goteiras várias, rachaduras várias. O teto representa aquilo que poderia ter sido e não foi: a família dividida, os netos crescidos, a solidão. Em seu quarto, liga a televisão e cala. Cala para não chorar, cala para não gritar, cala para não morrer. Enquanto isso, as goteiras pingam, as rachaduras se expandem, os marimbondos procriam, a pintura se esvanece. Mas a televisão grita, discurso coagido, entorpece e silencia as mágoas. É ritmo, é ritmo de festa.

Um comentário:

Carlos Magalhães disse...

Alto lá Dieguito!

Como vc está meu grande amigo?
Vc n pode mensurar como eu fiquei feliz ao ver teu comentario.
Saiba que só li "cather in the rye" por sua causa... lembro como se fosse hj d vc falando e falando deste livro. Anos depois o comprei (me dei de aniversário esse ano). Vc me apresentou à Caulfield.
Li seus textos. Otimos. Apesar d'eu n ser um sabotador. T favoritei no meu blog e lerei sempre.
Entrando no msn, vamos trocar uma ideia.

abs

Carlos Neto